Texto reproduzido do blog Agências de Notícias com autorização do autor.
Agência Americana: quando poetas fizeram jornalismo de agências no Brasil
(Pedro Aguiar)
Às vezes apontada como “a primeira agência de notícias do Brasil”, a Agência Americana (AA) é um episódio quase esquecido na história do jornalismo brasileiro, apesar de ter envolvido grandes nomes da profissão e de ter deixado um legado para o setor da comunicação. Fruto das iniciativas de Olavo Bilac, Martins Fontes, Raul Pederneiras e outros escritores, poetas, jornalistas e intelectuais da República Velha, a AA teve uma história de altos e baixos mas chegou a ser, por algum tempo, a única agência de notícias no país e a que primeiro introduziu alguns cânones do jornalismo de agências para a imprensa nacional.
Muito já se disse sobre a Agência Americana: que foi fundada por Cásper Libero em 1913, que durou apenas um ano, que foi “a primeira agência de notícias do estado de São Paulo” e que inspirou a criação de outras agências semelhantes.
Tudo isso está errado.
A AA não foi fundada por Cásper, nem no ano de 1913, nem em São Paulo, nem foi a primeira agência de notícias do Brasil. Quase 40 anos antes, existira no Rio de Janeiro a quase-homônima Agencia Americana Telegraphica (AAT), fundada pelo banqueiro falido Manoel Gomes de Oliveira, dono do jornal O Globo (sem relação com o atual jornal de mesmo nome). Embora tenha durado por menos de um ano, a AAT foi uma precursora da AA por ter consagrado esse nome e a terminologia, ter instalado uma rede de correspondentes e ter inaugurado o serviço de fornecimento de notícias distribuídas por telégrafo para os jornais e clientes particulares. A diferença principal é que a AAT seguiu o modelo da Havas ao tratar de maneira indiscriminada os assinantes de imprensa e de outros setores (inclusive o financeiro, origem de Gomes de Oliveira), enquanto a AA foi concebida para privilegiar a imprensa. A Agência Americana pode não ter sido a primeira, mas foi certamente a que institucionalizou o jornalismo de agências no Brasil.
Entre os responsáveis pela criação da AA, estavam o poeta carioca Olavo Bilac (1865-1918), idealizador da agência; o santista José Martins Fontes (1884-1937), médico e poeta, que antes fundara o jornal A Luva; e os irmãos italianos Alcide de Ambrys e Alfredo de Ambrys (????-1910), jornalistas e literatos. Mais tarde, entrariam na equipe outro carioca, Raul Pederneiras (1874-1953), dramaturgo, músico, cartunista e escritor; o pernambucano Olegário Mariano (1889-1958), dramaturgo e diplomata; o pernambucano José Joaquim de Medeiros e Albuquerque (1867-1934), escritor, dramaturgo, jornalista e político; o mineiro Eduardo Machado (1848-1912), farmacêutico e político; e, provavelmente o mais destacado de todos, o contador e jornalista Oscar de Carvalho Azevedo (1873-????), que foi diretor da agência pela maior parte de sua existência. O estabelecimento contou com um apoio financeiro do Itamaraty, então comandado pelo Barão do Rio Branco.
O nome não era por acaso nem capricho. A Agência Americana nasceu já com o propósito de concentrar seu serviço internacional nas capitais do continente americano, especialmente da América do Sul. Segundo Gomes (1984, p.77), Bilac e Martins Fontes “decidiram criar uma organização destinada ao envio de informações comerciais e culturais sobre Brasil para os países europeus. E fundaram a Agência Americana, que funcionou durante algum tempo, com sede no Rio de Janeiro”. Gonçalves Dias (2007), biógrafa de Martins Fontes, afirma que a empresa “tinha como finalidade manter um serviço telegráfico, de informações comerciais do exterior, sobre negócios de café”. Na mesma linha, Simões Filho (2007, p.66), reproduzindo Raymundo Magalhães Jr. (biógrafo de Bilac), diz que a agência era “destinada a informar os homens de negócios, particularmente exportadores de café, das oscilações das bolsas de Londres, de Paris e de Nova York”.
Este último autor inclui Medeiros e Albuquerque no rol de fundadores da AA. O pernambucano havia trabalhado no Correio da Manhã com Edmundo Bittencourt, colega e amigo de Rui Barbosa, e acabou levado para a Agência Americana por Bilac.
Scherer (2009), também citando Magalhães Jr., afirma que Bilac criou códigos telegráficos para a operação da agência (o que era comum), “utilizando termos da mitologia grega”, tema caro ao poeta. Segundo a autora, atribuindo agora a Martins Fontes, “o plano era imenso e foi totalmente executado por Bilac, de forma ‘admirável'”.
Há muita incorreção na literatura especializada quanto às datas entre as quais existiu e funcionou a AA, tanto do seu início quanto do seu fim. Molina (2015, p.426) e Montilha (2014, p.31) afirmam que o início se deu em 1908. Na Hemeroteca Digital Brasileira, da Biblioteca Nacional, a primeira menção a uma Agência Americana como agência de notícias é de 1909, em diversos jornais. Juarez Bahia, Gisely Hime e diversas obras que têm Cásper Libero como referência apontam 1913. E outras ainda indicam 1914 como o ano em que tudo começou.
O portal Novo Milênio dá uma data mais precisa: março de 1910, no Rio de Janeiro, por Olavo Bilac e os irmãos italianos Alfredo e Alcide de Ambrys (chamado ali de “Alceste” de Ambrys, que era outro irmão). Alfredo era redator da Havas e acolhera Alcide e Alceste, sindicalistas refugiados no Brasil que antes haviam estado na Argentina (Alceste voltaria à Itália e ajudaria a fundar, com Gabrielle d’Annunzio, a República de Fiume e a redigir, com Tommaso Marinetti, o Manifesto Fascista que inspirou Mussolini). Alcide e Alfredo ajudariam Bilac a montar a agência e a formar sua rede internacional de correspondentes (Longhi, 2011, p.22).
Mas, pelo registro dos jornais da época, a Agência Americana começou a funcionar no dia 10 de outubro de 1909, um domingo, quando jornais do Rio de Janeiro começaram a publicar seus despachos telegráficos. Dos principais jornais do Brasil na República Velha, O Paiz e A Notícia destacaram o lançamento na primeira página, enquanto a Gazeta de Notícias da mesma data iniciou a publicação dos serviços da AA sem maior alarde, com telegramas de Buenos Aires (fotos abaixo). O Jornal do Brasil, o Correio da Manhã, A Noite, O Jornal, o Diário Carioca, A Gazeta, O Imparcial e A Notícia também assinaram seus serviços, entre dezenas de outros veículos.
Sem mencionar os nomes dos fundadores, O Paiz deu destaque na primeira página ao início do serviço, anunciando (na ortografia da época): “Encetamos hoje um novo serviço telegraphico, inaugurado pela Agencia Americana, fundada para estreitar e desenvolver as relações de imprensa entre todas as Republicas da America, e também para pôr em contacto mais intimo os jornaes de todos os Estados do Brazil. O serviço da America do Sul, iniciado hoje pela Agencia Americana, é apenas, por ora, o primeiro passo para um systema completo de informações políticas, industriaes e commerciaes. É uma iniciativa particular destinada, acreditamos, a brilhante successo. A Agencia Americana funcciona no predio n. 127 da Avenida Central“. De acordo com outras fontes, a agência era sediada no prédio do mesmo jornal.
Em A Notícia, a matéria da véspera enfatizava o foco da nova agência nas notícias do continente (também na ortografia da época): “Varios jornaes de domingo devem iniciar a publicação de um novo serviço telegraphico, da Agencia Americana fundada aqui com excellentes elementos de actividade e competencia. Até agora, em geral, a imprensa se preoccupa muito mais com informações telegraphicas do velho continente, do que com as da America: e sabemos ás vezes mais rapidamente do que se passa na Russia do que o que ocorre no Uruguay. É a esta omissão que vem attender a nova agencia. E como as suas noticias mais importantes serão acompanhadas de explicações e commentarios, pouco a pouco iremos fazendo uma vida intellectual americana que até agora não tem sido feita, iremos por assim dizer nos conhecendo em vez de mantermos a posição de visinhos que se não conhecem – muito commoda para os individuos, mas muito inconveniente para os povos“.
No Correio da Manhã, os despachos começaram no dia 14 do mesmo mês, com notícias de São Paulo, enquanto no Correio Paulistano, publicaram-se desde 18 de outubro. No jornal carioca O Século, o que mais reproduzia as notícias da AA, o uso começou em 1º de março de 1910, com uma nota de Lima (talvez a referência adotada pelo Novo Milênio). No dia seguinte, foi a vez do porto-alegrense A Federação, que iniciou as publicações citando O Paiz. E no Jornal de Recife, o lançamento da AA também foi anunciado de véspera (9/10/1909) mas a publicação do serviço só teve início em junho do ano seguinte, com notícias nacionais, de Manaus.
Prejudica as buscas na Hemeroteca Digital Brasileira o fato de que, anos antes, havia no Rio uma “Agencia Americana” de empregos e serviços de limpeza e de frete, que anunciava nos jornais.
Durante seu auge, na primeira metade dos anos 1910, a Agência Americana chegou a concorrer de fato com a Havas, tendo uma rede própria de correspondentes internacionais — vários dos quais mantinham outras ocupações simultâneas, como as de diplomatas e redatores de veículos locais. Jornais como o JB e o Correio Paulistano publicavam, em sua página de internacional, despachos misturados da Havas e da Americana. A publicação de despachos da AA manteve-se frequente por alguns anos. Em 1910, por exemplo, O Paiz publicava na página 4 uma seleção de telegramas da AA vindos de capitais sul-americanas: Buenos Aires, Santiago, Montevidéu, Lima e La Paz. Também abriu 24 escritórios pelo país (em todas as capitais estaduais, mais algumas cidades importantes) e no exterior (Lisboa, Londres, Paris, Gênova, Nova York, Buenos Aires, Montevidéu, Assunção, La Paz e Santiago). As referências indicam que, além do serviço em português para a imprensa brasileira, a AA passou a distribuir boletins em outras línguas para jornais estrangeiros.
Como sempre foi comum entre agências, a Agência Americana citava extensivamente notícias já publicadas no jornais dos países que cobria. Com isso, seu noticiário sobre a América do Sul era muito mais completo e detalhado que o que se publica atualmente no Brasil.
A agência também cobriu com minúcias a Primeira Guerra Mundial, desde seus bureaux na Europa, alimentando a imprensa daqui com despachos originais e reproduções de matérias de jornais europeus. Por ter correspondente próprio em Lisboa, chegou a conseguir burlar a censura militar instalada quando Portugal entrou na guerra. Algumas notas eram enviadas de Nova York, quando a comunicação com a Europa era dificultada. Em meados de 1916, a reprodução dos telegramas da AA começou a escassear, mas continuou e foi retomada com mais frequência em 1918, no final da guerra. A Americana foi a única agência a de fato ser referência brasileira para o noticiário internacional e referência no exterior para notícias do Brasil — algo que nenhuma outra agência nacional sequer tentou depois.
Na cidade de Santos, era sediada em um sobrado no Largo 11 de Junho, e lá foi dirigida pelo escritor e editor Martins Fontes, assistido por Eduardo Machado. Segundo o mesmo portal santista Novo Milênio, poucos anos depois a sucursal de Santos separou-se como agência autônoma, com o nome de Agência Sul-Americana (foto).
Mas a Americana não tratava apenas da imprensa: atendia também clientes corporativos e institucionais. Montilha (2014, p.31) diz que a AA era “agência de informações para homens de negócios” e o portal Itaú Cultural descreve a AA como prestadora de “serviços de propaganda para produtos brasileiros na Europa e em outros países”.
De acordo com Simões Filho (2007, p.66), Bilac, Medeiros e Albuquerque, Martins Fontes e os irmãos De Ambrys receberam empréstimo de 27 contos de réis (uma fortuna para a época, aproximadamente R$ 3,37 milhões de hoje) do Itamaraty para fundar a Agência Americana. O financiamento, autorizado pelo Barão do Rio Branco, amigo de Bilac, foi visto como estratégico para ampliar a divulgação do Brasil no exterior.
Entretanto, a operação motivou pesadas críticas contra Bilac, acusado de favorecimento indébito, chamado de “picareta” e “mordedor ministerial” (Scherer, 2009). Ressentido, o poeta devolveu a quantia recebida ao Itamaraty, deixou a agência na mão dos sócios e partiu para a Europa — segundo o mesmo autor, ainda em 2 de dezembro de 1908, antes mesmo do lançamento dos serviços. Mas, de acordo com a nota do Estadão (acima), Bilac permanecia diretor da Agência Americana em junho de 1911. Tanto que, ainda naquele ano, visitou Nova York para instalar ali um bureau da AA (Simões Filho, 2007, p.67).
Anos mais tarde, o cronista João do Rio (Paulo Barreto) relembraria o episódio nos seguintes termos:
Devia ser uma obra ajudada pelo governo, claramente, como as congêneres de outros países o são. Mas como convencer a mediocridade perversa? O primeiro subsídio, dados sem meios indiretos, causou o ataque (…). Eram vinte e sete contos. Bilac foi ao Ministério e, contra a vontade do ministro, restituiu a importância, passando a outras mãos a agência. Havia jornais a atacá-lo. Bilac disse-me um dia: ‘ – Nunca mais escrevo em jornais’. E passou dez anos e morreu sem escrever para jornais.
Ao voltar para o Brasil, no final do mesmo ano, Olavo Bilac de fato passou a Agência Americana adiante. O experiente Oscar de Carvalho Azevedo assumiu a direção da agência pouco depois, em 21 de novembro de 1911, acumulando-a com um emprego público como funcionário do Ministério da Viação e Obras Públicas (atualmente, dos Transportes), na função de contador da Inspetoria de Portos e Canais. Antes, tinha sido superintendente de administração de O Paiz e também chegou a dirigir o jornal O Imparcial, fundado por José Eduardo de Macedo Soares. Foi ainda membro da diretoria da ABI, fundada em 1908. As relações da Americana com a ABI e O Paiz foram tão próximas quanto com o Itamaraty, tanto que a agência foi sediada no mesmo prédio do jornal, na Avenida Central (atual Rio Branco). Oscar de Carvalho Azevedo tinha dois irmãos: Arthur, médico ginecologista renomado na capital federal, e Pio, que foi cônsul de San Marino e também trabalharia na agência.
De fato, a AA recebia subvenção em dinheiro dos governos da República Velha, atingindo altas quantias na gestão de Washington Luís (1926-1930). Em 1921, a Agência Americana ganhou concessão para explorar o serviço radiotelegráfico internacional, determinando que, em contrapartida, o governo poderia requisitar suas estações para pronunciamentos sem precisar indenizar a empresa. Apesar de continuar como empresa privada, nas mãos de Carvalho Azevedo, a AA passou a ser uma voz oficiosa do Estado brasileiro, especialmente em seu serviço exterior, e teve intensa atividade política, apoiando ou criticando governadores e parlamentares dissidentes. A relação com políticos beirava a promiscuidade: para chefiar a AA em Salvador, por exemplo, Carvalho Azevedo nomeou Francisco Calmon, irmão de Miguel Calmon, que fora justamente o ministro da Viação de 1906 a 1909 (e depois de novo em 1922-1926), responsável pelas concessões de telégrafo e que mantinha o diretor da agência no cargo público. Por isso, a agência acabou identificada com os governos oriundos da “política do café com leite” e sofreu ataques e agressões por parte de várias correntes oposicionistas, como os correligionários de Rui Barbosa, em 1919, e da Aliança Liberal, em 1929.
Em 1936, a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira publicou um detalhado verbete sobre o funcionamento da agência (na pág.554):
Como quase todos os países, o Brasil possui uma agência oficiosa de informação jornalistica internacional — a Agencia Americana, fundada, em 1912<sic>, pelo grande poeta brasileiro, Olavo Bilac. A sua missão é fornecer aos jornais brasileiros, da capital e estados, um noticiário completo, nacional e internacional, acompanhado de notas e comunicados oficiais, e a imprensa estrangeira una larga informação de todas as repúblicas ibero-americanas, sobretudo do Brasil — incluindo, nestas últimas, todas as notícias que a propaganda e os interesses externos do Brasil necessitem fazer espalhar mundialmente. Planeada pelo príncipe dos poetas brasileiros, Bilac, e apresentado o projecto ao Governo, este visionou, com facilidade, o fundo alcance de propaganda nacional e até orientação pública nacional que tal organismo representava para ele, Governo. Financiou a montagem da complexa maquinaria e garantiu-lhe uma subvenção. Os próprios jornais, do norte ao sul do país, assinavam, com entusiasmo, os serviços da nova agência, a primeira que se fundava na América Latina<sic>. Um técnico especializado em dirigir, organizar, orientar grandes empreendimentos de imprensa — Oscar Carvalho de Azevedo<sic> [N. do E.: o nome correto era Oscar de Carvalho Azevedo] — comprou aquele organismo a Bilac e em poucos meses o tornou próspero e vibrante de actividade. Dentro do Brasil mais de um milhar de gazetas se forneciam da Agência, sendo necessários dez telefones para o serviço dos Estados — telefones que funcionavam toda a noite e parte do dia. Fundou sucursais em Buenos Aires, Santiago do Chile, Montevidéu — e na Europa: em Lisboa (foi a primeira); em Gênova (Itália); em Londres e em Paris. Durante a guerra desenvolveu mais ainda a sua expansão na América, mas só depois da paz de Versalhes recomeçou o alargamento dos seus services europeus, chegando a possuir quarenta e duas sucursais no velho continente e informando, sobre a América Ibera, quinhentos diários de vinte países da Europa. Nessa altura instalou a Agencia Americana a sua central do Rio de Janeiro, num mesmo escritório da Avenida Rio Branco, no edifício do jornal «O Paiz». Na actualidade (1935) a sucursal de Lisboa tem vida e funcionamento independentes, se bem que com uma actividade reduzida em extremo.
Obviamente, como já visto, a AA não era “a primeira que se fundava na América Latina”, sequer no Brasil. Além da já citada AAT de 1874-1875, havia na época duas agências ativas na Argentina: a Agencia Saporiti desde 1900 e a Agencia Los Diarios desde 1910. Até o tão bem pesquisado e revisado Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, da FGV, comete os erros de dizer que o jornalista paulista Cásper Libero “foi o primeiro diretor da Agência Americana, primeira organização criada no Brasil com o objetivo de distribuir notícias à imprensa”. Não: nem Libero foi o primeiro diretor, nem a AA foi a primeira agência.
O paulista Cásper Libero (1889-1943), jornalista e bacharel em Direito, entrou na Agência Americana entre 1913 e 1914, dependendo da fonte consultada. Nascido em Bragança Paulista, formado em Direito em São Paulo, tinha 23 anos e já trabalhara no jornal A Gazeta (1906-1979), de Adolfo Campos de Araújo. Mudara-se para o Rio de Janeiro, onde fizera amizade com Raul Pederneiras e Olegário Mariano, que viviam entre o teatro, a literatura e o serviço público. Junto a eles e mais ao cartunista J. Carlos, ajudou a fundar o primeiro Última Hora (1911; sem relação com o jornal posterior de Samuel Wainer). Depois das pesadas críticas públicas sobre o financiamento do Itamaraty, Olavo Bilac deixara a agência e já não estava mais essa altura, e a repassara para Oscar de Carvalho Azevedo — que já trabalhara com Pederneiras na revista Avança. Esse pode ser sido o vínculo com Cásper, já que ambos estiveram do Última Hora. Esse grupo vinha de uma linha editorial que apoiara a “Campanha Civilista” de Rui Barbosa, justamente o campo oposto ao da AA. Pouco depois de ingressar na agência, Cásper Libero tornou-se diretor regional da sucursal em São Paulo. Seu irmão Nelson Libero, amigo de Martins Fontes, também participou da equipe. Apesar de diversas referências associarem a Agência Americana ao seu nome, a cronologia e o exame das fontes da época indicam que seu envolvimento com a empresa foi curto, ainda que possa ter sido importante. Mas, definitivamente, ao contrário do que afirmam inúmeras fontes, Cásper não fundou a agência.
Mais ainda: na Hemeroteca Digital Brasileira, o nome de Cásper Libero não aparece nenhuma vez associado à Agência Americana.
A origem da narrativa que atribui a fundação da Agência Americana a Cásper Libero é incerta, mas pode ter-se disseminado a partir da obra de Juarez Bahia, com Três Fases da Imprensa Brasileira (1960, p.59), segundo a qual Cásper foi “o responsável pela fundação da Agência Americana de Notícias, que funcionou apenas um ano, de 1913 a 1914, o bastante porém para estimular a criação de empresas semelhantes”, e em Jornal: História e Técnica (2009[1964], p.158), que afirma: “É ele [Cásper] um dos responsáveis, com Olavo Bilac, pela fundação da primeira agência noticiosa nacional, a Agência Americana”. Pelo jeito, Bahia confundiu o papel de Bilac — que de fato idealizou, concebeu, planejou e angariou o capital necessário para fundar a empresa — com o de Libero, que entrou apenas anos mais tarde e teve uma rápida passagem. Carvalho Azevedo é um personagem muito mais significativo na história da AA e, portanto, do jornalismo de agências no Brasil.
E a agência durou muito mais que um ano: funcionou de 1909 a 1930, ainda que entre altos e baixos. Embora Bahia (1960; 2009) e diversas outras fontes afirmem que a AA durou apenas um ano e acabou em 1914, a reprodução dos despachos da agência foi contínua desde sua fundação até 1930, como se constata nos jornais digitalizados na Hemeroteca Digital Brasileira. A partir de outubro de 1913, os telegramas da AA começaram a rarear no Correio da Manhã, enquanto na Gazeta de Notícias a frequência caiu bruscamente desde março de 1914. Em O Século, a citação à AA foi praticamente diária desde março de 1910, até o fim do jornal, em 1916. Mas, em todos os casos, o serviço prosseguiu aproveitado ao longo dos anos 10 e da década seguinte.
Todas as referências bibliográficas que repetem esses erros são posteriores às duas obras de Juarez Bahia, de 1960 e 1964. Vale observar que Bahia nasceu em 1930, mesmo ano do fim da agência, então não poderia ter qualquer memória de primeira mão sobre o assunto.
Em 1915, Cásper Libero saiu da AA e foi trabalhar na sucursal d’O Estado de S. Paulo, de Julio de Mesquita, no Rio de Janeiro (Hime, 2016). No mesmo ano, Raul Pederneiras assumiu a presidência da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Na entidade, conseguiu das operadoras de telégrafo a redução das taxas cobradas para serviços de imprensa, uma reivindicação antiga das agências de notícias.
Quando Bilac morreu, em 1918, Carvalho Azevedo ainda era o diretor da Agência Americana, e nela também trabalhava seu irmão Pio, que assumiria a agência anos mais tarde. Também estavam na agência, entre outros, os jornalistas Elói de Moura, Luís Mendes e Aurélio de Brito. Naquele mesmo ano, Libero ingressou n’A Gazeta como diretor, já sem nenhum vínculo com a AA.
Em 1919, Carvalho Azevedo acumulou mais uma função oficial: a de “diretor do serviço de publicidade” (espécie de assessor de imprensa ou relações públicas) da delegação do Brasil ao Congresso de Versalhes, que discutia a paz e as fronteiras europeias após a Primeira Guerra Mundial.
Em 1923, a AA noticiou a morte de Rui Barbosa, de quem fora adversária. No ano seguinte, 1924, Carvalho Azevedo foi à Itália e entrevistou Benito Mussolini pessoalmente, enquanto Libero estava em Paris.
A agência continuou recebendo dinheiro dos governos, não só o federal mas também estaduais, o que era questionado pela imprensa – inclusive jornais que assinavam seus serviços. Em 1927, O Globo, de Roberto Marinho, Euricles de Matos e Herbert Moses, criticou duramente a idoneidade editorial da Americana, que, segundo eles, “não merecia fé”, o que teve repercussão nacional. “Diz O Globo que a Agência Americana sempre pertenceu a uma ala de namorados de todos os governos; que nunca informa os fatos que desagradam os magnatas do poder; que é órgão de propaganda suspeita dos governadores pouco escrupulosos para servi-los com subserviência“.
No mesmo ano, o deputado carioca Azevedo Lima (do Bloco Operário e Camponês) requereu ao Itamaraty que divulgasse os termos do contrato pelo qual pagava assinatura à Agência Americana, bem como questionava se Oscar de Carvalho Azevedo morava em Paris como correspondente da AA, mesmo sendo funcionário ativo do governo. Após repercussão na imprensa, o deputado voltou atrás e desistiu do requerimento, sem obter o texto do contrato, mas discursou em plenário:
Ora, interessa-me e deve interessar necessariamente, também, à Câmara, conhecer os termos do contrato mediante o qual se obriga a empresa, que se chama Agência Americana, a tratar dos interesses do Brasil, segundo dizem, por conta do Estado, porque, ao que eu saiba, ela ainda não providenciou energicamente no sentido de acautelar os interesses nacionais no estrangeiro, e, o que é mais ainda, há pouco, tendo-se reunido nesta Capital um Congresso de Juristas, cujas deliberações, bastante importantes, foram transmitidas ao exterior, por intermédio das agencias telegráficas que têm representação nesta cidade, não receberam, todavia, por parte da Agência Americana, a menor menção, ou, melhor, não houve registro dos despachos telegráficos dessa agência, nos mais importantes jornais do estrangeiro que publicam comunicados nacionais.
Além das subvenções oficiais, as posições políticas da linha editorial da AA, ferrenhamente defensora dos governos, começaram a desagradar seus clientes. Pelo final da década de 1920, o serviço da AA já era muito menos aproveitado nos jornais que na década anterior. A página de Facebook da ABN (Agência Brasileira de Notícias), fundada em 1924, afirma que incorporou a Agência Americana em 1928, realizando uma fusão (só em 1932, o Jornal de Recife publicou que a Agência Brasileira estava “substituindo a Agência Americana perfeitamente bem”). Mas fato é que havia uma versão ativa da Agência Americana até 1930.
No meio-tempo, fora da política, a Americana destacou-se por cobrir, com equipe local destacada, a primeira Copa do Mundo, que aconteceu no Uruguai, onde a agência já tinha escritório e correspondentes. A reputação de precisão e confiabilidade da AA nas notícias sobre a América do Sul era tanta que, mesmo quando outras agências apressaram-se em divulgar o empate por 2 x 2 no jogo entre Brasil e Iugoslávia, os jornais esperaram o despacho da Americana, que informou a anulação de um dos gols brasileiros, cedendo vitória à seleção iugoslava (imagem abaixo).
Na controversa eleição presidencial daquele mesmo ano, a AA teve linha editorial contrária à Aliança Liberal, cujo candidato era o gaúcho Getúlio Vargas. O Jornal do Recife, ainda em 1929, acusara a AA de fazer as vezes de “relações públicas” de Júlio Prestes, o candidato da situação. Quando estourou o movimento rebelde, em setembro, a agência divulgou no exterior notícias negativas sobre os revolucionários. Enquanto as tropas de Getúlio amarravam seus cavalos no obelisco da Cinelândia, na capital, a redação da AA na Avenida Rio Branco era invadida, depredada e empastelada. Em 18 de novembro do mesmo ano, a agência foi fechada em definitivo.
Para piorar a situação, em janeiro de 1931, a Western Telegraph, operadora particular de telégrafo, divulgou que a Agência Americana deixara uma dívida de 175 contos de réis (mais de R$ 21 milhões em valores atuais) e vinha operando em inadimplência (imagem no alto deste post). Três meses depois, em abril, as concessões para uso da rede telegráfica pública pela AA foram revogadas. Como justificativa, após inquérito, a Repartição Geral de Telégrafos, subordinada ao Ministério da Viação e Obras Públicas (o mesmo para o qual Carvalho Azevedo trabalhava) concluiu que:
com a outorga da concessão, nos termos do art. 2.º do Decreto Legislativo número 4.262, de 13 de janeiro de 1921, e do artigo 74, do decreto legislativo número 4.555, de 10 de agosto de 1922, modificada e ampliada posteriormente, por sucessivos dispositivos legais de caráter especial e de exceção, obteve a S.A. Agencia Americana uma situação privilegiada, que lhe permitia executar não só o serviço radiotelegráfico internacional, em concorrência com outras empresas nacionais, como os serviços radiotelegráfico e radiotelefônico no interior do pais, o que outras empresas não poderiam executar; Considerando que a S.A. Agência Americana logrou essa situação de favor prevalecendo-se, como é notório, da influência que exercia nos meios governamentais em consequência dos benefícios de ordem partidária que prestava aos detentores do poder, por meio de seu serviço de imprensa — o que alias, se evidencia da série de dispositivos tumultuários a seu favor, os quais não consultam, de forma alguma o interesse público, nem o da União não tendo sido objeto de estudos por parte o Legislativo, nem tão pouco do Executivo; Considerando, por outro lado, que a última prorrogação de prazo obtida pela S.A. Agência Americana (cit. Decreto número 17.361, de 23 de junho de 1926) foi dada “sob condição de que a concessão seria intransferível”, demonstrando que o próprio Governo, concedendo-a, reconhecia que aquela sociedade gozava de uma situação excepcional e de favores extraordinários, tanto assim que julgou de bom alvitre impedir, com essa ressalva, que tais favores pudessem vir a ser objeto de transações vantajosas para a concessionária ou de transferência a estrangeiros; Considerando, entretanto, que, diante da impossibilidade que lhe foi assim criada, de transferir a sua concessão, os diretores e principais acionistas da S.A. Agência Americana lograram burlar essa condição de intransferibilidade, constituindo uma outra sociedade com nome semelhante “Agência Americana de Informações Jornalísticas S. A.” — e, entregando a terceiros, na mesma ocasião, a direção da primeira dessas sociedades, que passou, assim a ser explorada por outros elementos, reduzida a pouco mais de um quarto a participação dos primitivos acionistas (atas no Diário Oficial, de 20 de setembro de 1930), págs 18.093 a 18.101); Considerando, portanto, que, feita a revisão dos vários atos que constituem a concessão outorgada à S.A. Agência Americana, se verifica que essa concessão contravém ao interesse público e à moralidade administrativa, o que, aliás, a simples enumeração dessas atos de concessão de favores excepcionais manifesta:
Decreta : Art. 1.° Fica anulada, por contravir ao interesse público e à moralidade administrativa, a concessão outorgada à S.A. Agência Americana com fundamento no art. 2.º do decreto legislativo número 4.262, de 12 de janeiro de 1921; no art.74 do decreto legislativo n. 4.555, de 10 de agosto de 1922; no art. 237 da lei n. 4.793 de 7 de janeiro de 1924; no art. 2.º do decreto legislativo n. 5.186, de 9 de junho de 1927, tudo consubstanciado nos termos de 13 de janeiro de 1923.
Naquele mesmo ano, no vácuo deixado pela Americana, seria fundada a Agência Meridional.
Ao fim e ao cabo, é possível constatar que, pelo porte operacional, pela amplitude da cobertura jornalística, pelo elenco estelar de profissionais que trabalharam para ela e pelo apoio visionário do Estado brasileiro, a Agência Americana foi uma experiência única, jamais superada nem igualada na história nacional do Jornalismo de Agências.