País de origem: Estados Unidos da América
Redação-sede: Nova York
Proprietários: grupos Scripps-Howard e Hearst
Fundadores: Edward Scripps e William Randolph Hearst
Início de operação: 1907 (UP) e 1909 (INS); 1958 (fusão de UP e INS como UPI)
Entrada no Brasil: 1918 (fornecimento do serviço); 1922 (primeiro escritório)
Saída do Brasil: 1997
Escritórios no Brasil: Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília
Website: https://www.upi.com
A agência United Press (UP) foi fundada em 1907 por Edward Scripps, dono da cadeia de jornais dos EUA que levava seu sobrenome. Originalmente, ele reuniu três serviços de distribuição de notícias que já controlava (Scripps News Association, Scripps-McRae Press Association, e a mais recente Publishers Press Association, comprada em 1906) sob o nome de “United Press Associations”, mas logo a última palavra caiu em desuso. Dois anos depois, em 1909, outro magnata da imprensa estadunidense, William Randolph Hearst, fundou sua própria agência de notícias, a International News Service (INS). A UP e a INS foram concorrentes por quase meio século, até que, em 1958, surpreendendo o mercado, anunciaram sua fusão. Nascia então a United Press International (UPI), que ainda existe mas não é hoje, em 2024, nem uma sombra da poderosa empresa que foi na segunda metade do século XX.
A criação da UP se deveu às restrições da estratégia comercial da Associated Press (AP), mais antiga e mais capilarizada nos EUA. Até 1900, a AP apenas aceitava vender seus serviços noticiosos para os jornais que se associassem a ela como membros pagantes, e negava o fornecimento a jornais concorrentes de seus sócios. Scripps decidiu fundar uma agência que não discriminasse clientes. Além disso, a AP fazia parte do cartel de agências da Europa (Reuters, Wolff e Havas), cujos termos contratuais definiam zonas de exploração com exclusividade para cada agência. A América do Sul, desde 1876, era território exclusivo da Havas francesa. Como a UP não fazia parte do acordo, não se sentiu obrigada a nenhuma restrição, e cedo se dispôs a entrar no mercado sul-americano.
A UP começou a fornecer serviços para a imprensa argentina em 1917, por meio dos jornais La Prensa, da família Paz, e La Nación, da família Mitre, que por sua vez revendia o noticiário norte-americano para outros jornais da América Latina (Morris, 1957, p. 103) sob o nome de Agencia Austral. A entrada da UP no mercado sul-americano foi um dos principais motivadores para a Associated Press decidir romper com o cartel europeu e explorar a mesma região como concorrente.
A chegada da UP ao Brasil foi um tanto conturbada. Um historiador da empresa, Joe Alex Morris (1957, p. 103), conta que o representante de Scripps, o repórter Roy Howard, veio ao Rio de Janeiro de navio no início de 1918. Por acaso (ou não), estava no mesmo barco um gerente da AP, Kent Cooper, que tinha sido seu amigo de juventude. No Brasil, o primeiro jornal a assinar a UP foi O Imparcial, de José Eduardo de Macedo Soares, em 1918, que rompeu logo em seguida para aderir ao serviço “de segunda mão” de Jorge Mitre. Outro cliente cortejado foi O Paiz, então dirigido por João Lage, disputado quase literalmente a tapa: Morris (1957, p. 104-105) conta um episódio antológico em que Howard quase saiu na mão com Mitre e Soares em plena Rua Primeiro de Março, no centro do Rio, no outono de 1918. No final, a Howard ganhou e O Paiz continuou o maior cliente da UP no Brasil (imagem abaixo), desde 19/5. Três meses depois, O Estado de S.Paulo e o Diário Popular (atual Diário de S.Paulo) também assinaram o serviço.
Nos EUA, a UPI era famosa por ter repórteres ousados, como Helen Thomas, a veterana setorista de Casa Branca que, por tradição e reverência dos colegas, era sempre a primeira a fazer perguntas nas entrevistas coletivas com presidentes. O próprio Roy Howard, depois de ter dado uma “barriga” (notícia errada) de proporções globais em 1918, quando cravou o fim da Primeira Guerra Mundial dias antes da assinatura do armistício de fato, cresceu dentro da empresa a ponto de se tornar sócio do patrão, cujo conglomerado mudou de nome para Scripps-Howard.
Segundo Theodoro de Barros (1978, p. 74), que foi professor-titular de Jornalismo da UFF, o primeiro escritório da UP no Rio só foi aberto em 1922, e a chefia foi confiada a Harry Robertson. Com as operações expandidas, a UP ganhou mais clientes, com o Jornal do Brasil à frente.
No autoritário governo de Artur Bernardes (1922-1926), a United Press tentou se equilibrar entre os poderes no Brasil. Quando eclodiu a revolta de 1924 em São Paulo, o governo de Bernardes mandou fechar os escritórios da Associated Press e da United Press por algumas semanas, por terem distribuído despachos relatando as versões dos rebelados (Harnett; Ferguson, 2003, p. 77). O correspondente Charles Kinsolving, da UP, chegou a ser preso, mas foi solto dois dias depois e voltou para os EUA. O diretor da UP no Rio era então Ulysses Grant Keener, que se esforçou para manter relações cordiais com a imprensa burguesa, sua clientela. Em 1926, por exemplo, visitou a redação do jornal O Globo, que tinha sido fundado no ano anterior por Irineu Marinho, a pretexto de comemorar o primeiro aniversário do vespertino. O Globo já nasceu como cliente da United Press desde a sua primeiríssima edição, em 29/7/1925. Em 1927, a UP abriu um bureau em São Paulo, onde sua clientela se expandia para além do Estadão.
Quando os EUA começaram a projetar sobre a América Latina a sua influência geopolítica usando a mídia, a UP participou desse esforço como fornecedora do noticiário do Repórter Esso, um programa de rádio veiculado no Brasil, na Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Honduras, Nicarágua, Panamá, Peru, Porto Rico, República Dominicana, Uruguai e Venezuela (Klöckner, 2004) a partir de 1941. A agência, que já tinha sido pioneira no serviço de notícias sonoras em 1935, chegou a produzir um manual de como escrever (em espanhol) para rádio, já que o radiojornalismo ainda era uma novidade. A empresa patrocinadora do programa era a petroleira Esso, um rebento da monopolista Standard Oil, pertencente à família Rockefeller desde 1870. E a iniciativa contou com os auspícios do governo dos EUA, por meio do Escritório de Coordenação de Assuntos Interamericanos (OCIAA, na sigla em inglês), um órgão de propaganda ideológica criado em 1940 e posto sob a chefia de Nelson Rockefeller, conhecido playboy em Nova York, sede da UPI. Não havia, naquele momento, sequer tentativa de aparentar separação entre interesse público e privado.
Keener, que já era admirador de Rockefeller desde os anos 1920 (Sanglard, 2005, p. 106), foi trabalhar no OCIAA como assessor do empresário-político. Nesse cargo, ajudou a costurar politicamente os laços com o regime de Getúlio Vargas (Gazeta de Notícias, 30/12/1944, p. 3). Em 1943, a revista Cultura Política (ano III, n. 28, p. 248), do DIP, publicou uma lista das agências estrangeiras autorizadas a funcionar no Brasil, e a United Press figurava em destaque, logo após a AP e antes da Reuters.
Depois da fusão com a INS, o governo federal do Brasil exigiu que a UP refizesse seu registro de empresa estrangeira. O decreto 841/1962, assinado por Tancredo Neves como primeiro-ministro do breve parlamentarismo, autorizava a agência a mudar de nome para United Press International (e, de quebra, aumentar seu capital social).
“Artigo único. É concedida à sociedade anônima UNITED PRESS ASSOCIATIONS, com sede na cidade e Estado de New York, Estados Unidos da América, autorizada a funcionar pelo Decreto nº 6.190, de 29 de agosto de 1940 autorização para continuar a funcionar no Brasil como agência de notícias, com o capital social destinado às suas atividades no País, elevado de Cr$99.000.00 (noventa e nove mil cruzeiros) para Cr$153.960.00 (cento e cinqüenta e três mil, novecentos e sessenta cruzeiros), por meio de importação de maquinarias e equipamento com a denominação social alterada para “UNITED PRESS INTERNATIONAL, INC.,” e consoante resoluções adotadas e aprovadas por sua Diretoria, em reuniões realizadas a 14 de maio de 1953 e 30 de junho de 1958 mediante as cláusulas que a êste acompanham, assinadas pelo Ministro de Estado dos Negócios da Indústria e do Comércio, obrigando-se a mesma sociedade a cumprir integralmente as leis e regulamentos em vigor, ou que venham a vigorar, sôbre o objeto da presente autorização, ficando, no entanto, impedida de exercer as atividades prescritas no artigo 160 da Constituição Federal.”
Durante a ditadura militar, a UPI era percebida como “mais amistosa” com os regimes de exceção da América Latina do que sua arquirrival Associated Press. Na mesma época, a UPI se revelou uma agência mais acessível ao mercado de imprensa brasileiro que a AP e a AFP. Em 1966, talvez aproveitando a proximidade e o savoir-faire adquirido com a UPI, o Jornal do Brasil funda a Agência JB e abriga em seu prédio o bureau da UPI no Rio. Por dez anos, várias matérias da agência serão publicadas no jornal com a assinatura UPI-JB (até o jornal romper o acordo e trocar a UPI pela AP em 1976). Na década de 1970, a UPI fornecia serviços de radiofoto aos jornais brasileiros, com pacotes de fotos mais importantes do dia, utilizando os canais de rádio da Embratel. Pelo mesmo período, o serviço da UPI para o Brasil era subordinado ao serviço latino-americano (em espanhol), sediado em Nova York, mas a tradução para o português era feita no escritório da agência no Rio (BOYD-BARRETT, 1980, p.56).
Também em 1966, pelo decreto-lei 82, a ditadura deu isenção fiscal do ISS às agências de notícias, quem sabe esperando uma cobertura positiva por gratidão. No entanto, isso não impediu os censores da ditadura brasileira de tentarem pôr mordaça na agência, como contou o então correspondente John Virtue em 1997 no site do Instituto Gutenberg.
Os censores não foram enviados apenas para os jornais, rádios e estações de televisão brasileiros. Foram parar também nas agências internacionais de notícias e em suas salas de telex e teletipo. Como diretor da UPI, eu fui recebido por um major do exército brasileiro quando cheguei dia 15 de dezembro à redação, que naquela época ficava no antigo prédio do Jornal do Brasil, na Avenida Rio Branco. O major explicou que nada poderia ser transmitido sem sua prévia aprovação e disse que todas as ligações telefônicas seriam monitoradas.
Consegui frustrar a censura através da transmissão de radiofotos. Eu mostrava ao major uma cópia da foto que queria que ele liberasse para transmissão. Depois, enviava uma legenda de 200 a 300 palavras, que era, na prática, uma notícia completa. […] Já que a imprensa não podia publicar notícias atacando a ditadura militar, a UPI não traduzia para o português esse tipo de notícia quando elas chegavam em inglês e espanhol aos teletipos do escritório de São Paulo. Contudo, eu costumava colocar esse material em um envelope e dá-lo ao editor internacional do Estado de S.Paulo, para que fizesse o uso que achasse melhor.
Um dia o Estado publicou um desses artigos, com o crédito para a UPI. Assim que o jornal chegou às bancas, eu fui chamado ao DOPS para explicar como a notícia chegara ao jornal. Eu disse ao policial de plantão que costumava dar ao Estado de S.Paulo, para sua informação, esse material não traduzido.
“Da próxima vez que você tiver material ‘quente’ ”, disse ele, “coloque-o em um envelope mas mande-o para mim”.
Também fui chamado ao DOPS no Rio, quando um mensageiro da UPI foi preso no aeroporto do Galeão, onde ele tentava localizar um passageiro que pudesse levar um pacote com filmes de televisão para Nova York. Na década de 60, essa ainda era a melhor maneira de enviar imagens jornalísticas para fora do Brasil. O pacote continha filme não revelado de uma corrida de cavalos internacional que tinha ocorrido no Rio naquele dia e também, mudando totalmente de assunto, imagens para ilustrar uma matéria sobre violência policial na Zona do Mangue. Entre as imagens aparecia uma prostituta de 75 anos de idade. O policial do DOPS, um homem alto, cerca de 60 anos, bem apresentado e impecavelmente arrumado, disse que nós estávamos tentando desabonar a imagem do Brasil através da distribuição de fotos de prostitutas. Eu garanti que era exatamente o contrário: nós queríamos justamente mostrar que o Brasil não era conivente com a prostituição. Agradeci a ele por haver revelado o filme, que àquela altura já não possuía nenhum valor jornalístico.
Já pela dissidência democrática, a UPI era percebida como um instrumento do imperialismo de mídia no Brasil, na América Latina e, de forma mais ampla, no Terceiro Mundo em geral (hoje mais referido como “Sul Global”). O fato de mais de dois terços das notícias estrangeiras publicadas nos países periféricos ter origem nas quatro grandes agências do mundo capitalista (AP, UPI, Reuters e AFP), segundo pesquisas quantitativas dos anos 60 e 70 (como as do venezuelano Eleázar Díaz Rangel, de 1967, e as do ILET chileno, de Juan Somavía e Fernando Reyes Matta, entre 1970 e 1976) motivou a campanha por uma Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação (NOMIC), ativa entre 1973 e 1980, e abandonada depois que foi transferida para o âmbito da UNESCO e boicotada pelas próprias agências e pelos governos dos EUA (Reagan) e do Reino Unido (Thatcher).
Nos anos 80, a UPI começou a entrar em crise. Uma série de investimentos milionários (especialmente no setor de fornecimento de vídeo para TV) não deu o retorno esperado, enquanto o mercado foi ganhando concorrência da recém-criada Bloomberg, especializada em informação financeira. Em 1982, a agência foi vendida para os empresários Douglas Ruhe e William Geissler, que não tinham nenhuma experiência no setor. Clientes começaram a cancelar suas assinaturas um após o outro, levando os donos a venderem serviços subsidiários (de foto, de rádio e de TV) para antigas concorrentes, como a Reuters e a AP. Em 1983, a UPI vendeu seu serviço fotográfico latino-americano para a Reuters e começa a declinar na região. O brasileiro Luiz Carlos Segala de Menezes, que fizera toda a carreira na UPI (de contínuo a vice-presidente para o Brasil), deixou a agência e foi para a Knight-Ridder, uma cadeia de imprensa norte-americana concorrente da Scripps-Howard. Contratando os antigos jornalistas da UPI, a Reuters passa a ser a principal agência fornecedora de fotografia para a América Latina.
Em 1984, foi vendida de novo, agora para o empresário mexicano Mario Vásquez Raña (mais tarde conhecido como presidente da ODEPA, a entidade que organiza os Jogos Pan-Americanos, e seu discurso de abertura no Pan do Rio em 2007). Em 1985, a empresa entrou em concordata. Vásquez Raña demitiu jornalistas e vendeu mais ativos da UPI, sem conseguir equilibrar as contas. Em 1992, após um segundo pedido de concordata, a UPI foi adquirida pelo magnata saudita Waleed al-Ibrahim, cunhado do rei Fahd e fundador do grupo MBC (Middle East Broadcasting Company), dono da TV Al Arabiya.
Em 1997, após uma sequência de demissões, a UPI fechou seu último escritório no Brasil.
No ano 2000, a UPI foi finalmente vendida para o grupo de mídia do pastor evangélico sul-coreano Sun Myung Moon, o Reverendo Moon (1920-2012). Daí em diante, a agência adotou uma linha editorial de extrema-direita e perdeu a maior parte dos clientes. Continua nas mãos dos herdeiros de Moon até hoje.
Referências bibliográficas
BARROS, Theodoro de. Última Hora e a Renovação da Imprensa Brasileira. Tese (concurso para professor titular), Instituto de Arte e Comunicação Federal, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1978.
BOYD-BARRETT, Oliver. The International News Agencies. Londres/Beverly Hills: Constable, SAGE, 1980.
HARNETT, Richard; FERGUSON, Billy. Unipress – United Press International: covering the 20th century. Golden (EUA): Fulcrum, 2003.
MORRIS, Joe Alex. Deadline Every Minute: the story of the United Press. Nova York: Doubleday, 1957.
VIRTUE, John. Tesoura da ditadura cortou a UPI. Boletim, nº 19 de novembro – dezembro de 1997. Instituto Gutenberg. http://www.igutenberg.org/censu19.html