Entre o final dos anos 1960 e o início dos 1970, o célebre jornalista e escritor pernambucano Belarmino Maria Austregésilo de Athayde (1898-1993), presidente mais longevo da Academia Brasileira de Letras, manteve uma coluna de crônicas nas edições semanais da revista O Cruzeiro, dos Diários Associados, chamada “Vana verba” (“palavras vãs” em latim). Numa delas, em agosto de 1970, discorreu sobre suas reminiscências como jornalista de agências e seu pessimismo em relação à possibilidade de uma agência periférica, latino-americana ou brasileira vir a vingar frente ao poder das grandes agências transnacionais. Pela data, o contexto da crônica provavelmente era a articulação da Reuters com jornais da América Latina para fundar a LATIN, um consórcio que durou de 1970 a 1981, o que Athayde então criticava.

Abaixo, para fins de pesquisa, transcrevemos a íntegra do texto:

No começo da minha vida jornalística, trabalhei como redator e tradutor de duas agências telegráficas norte-americanas. A primeira foi a Associated Press, que era uma organização diretamente financiada pelos jornais que tomavam os seus serviços. Em 1919, O Jornal, que acabava de fundar-se, o Correio da Manhã e o Jornal do Brasil assinavam e recebiam as informações telegráficas da Associated e cada uma dessas folhas tinha por conta própria um tradutor em seu escritório, aqui dirigido por dois jornalistas americanos, William Flanagan e Jessie Crosway<sic>, ambos muito experimentados, homens de boa cultura e excelentes companheiros.

 

Os brasileiros éramos Manoel Abad, pelo Jornal do Brasil; Rodolfo Mota Lima e Raul Brandão, pelo Correio da Manhã; e eu, que representava O Jornal. Das oito da noite às duas da madrugada recebíamos telegramas laconicamente redigidos em inglês, cabendo-nos traduzi-los e recheá-los, o que exigia muito conhecimento e prática da vida internacional. Tínhamos que saber quem eram as pessoas dos governos estrangeiros, os partidos políticos e suas tendências, as altas figuras da literatura e da arte, pois que as informações eram dadas da maneira mais sucinta, para poupar palavras, e os telegramas enviados aos jornais deveriam ser claros e explícitos, fornecendo aos leitores um texto completo, que os pudesse elucidar a respeito dos acontecimentos noticiados.

 

Abad, Mota Lima e Raul Brandão tinham muito mais experiência do que eu, não só do conhecimento da língua inglesa como por serem mais antigos no ofício de jornalista. Devo dizer que naquele tempo, mais de cinquenta anos passados, o nível cultural dos profissionais de imprensa era bem mais alto do que é hoje. Quem trata com as mocinhas que presentemente fazem estágio nas redações sabe que nem todas possuem o mínimo de cultura geral que é necessário para que um repórter se desempenhe corretamente da sua missão. A maioria é ainda muito jovem e não está devidamente preparada, do que resulta enorme falta de cuidado na transmissão das notícias e, sobretudo, do pensamento das pessoas entrevistadas.

 

Mas não é este precisamente o assunto desta crônica e sim o desejo de fazer alguns comentários sobre a ideia que de quando em quando reaparece de se criar na América Latina, ou isoladamente em alguns dos seus países, agências telegráficas internacionais, destinadas a fornecer à imprensa estrangeira, especialmente dos Estados Unidos e da Europa, informações corretas ou favoráveis sobre o que aqui ocorre, se faz ou se diz.

 

Acreditam as pessoas que carecem de maior experiência no assunto que, se forem organizadas agências latino-americanas de notícias, isso será bastante para que cessem as falsidades, distorções ou calúnias de que são vítimas os povos e os governos desta parte do mundo. Pura infantilidade, nascida da ignorância de como as coisas se passam nesse terreno, e ainda mais de como os jornais americanos e europeus, sobretudo os grandes jornais que são os que importam, desprezam as iniciativas dessa natureza e recusam sistematicamente publicar informações vindas dessas fontes, que consideram espúrias, pois sabem que atrás delas se encontram os próprios governos interessados em se apresentar de maneira favorável aos olhos da opinião pública mundial.

 

Vivi durante onze anos como redator da United Press e, por dever profissional, acompanhava o trabalho das outras agências americanas e europeias, inclusive a famosa Havas e a não menos famosa Reuters. O poder econômico e financeiro dessas agências tornava praticamente impossível qualquer competição por empresas jornalísticas particulares brasileiras ou de outras das repúblicas latino-americanas.

 

Tivemos aqui a Agência Americana, dos irmãos Carvalho Azevedo, primorosamente instalada no antigo edifício de O País, possuindo arquivos valiosos, a qual, com o tempo, ia obtendo certa penetração em jornais do hemisfério e em importantes órgãos da Europa. Como a Agência Americana transmitia para o exterior notícias favoráveis ao presidente Washington Luís, durante a Revolução de 30, no dia em que esta triunfou, os revolucionários improvisados aqui no Rio puseram fogo a O País e destruíram a Agência Americana.

 

Daí por diante nada se empreendeu nesse terreno que lhe fosse comparável. Ainda não temos, infelizmente, condições para concorrer com as grandes agências existentes e creio que ainda demorará muito a possibilidade de êxito de uma agência noticiosa brasileira ou latino-americana. As tentativas feitas até agora não conseguiram medrar, tantos são os óbices opostos lá fora.

 

A ideia de que as agências noticiosas desta parte do mundo são aventuras, custeadas pelos governos, invalida as boas intenções dos seus organizadores e encontra sistematicamente fechadas as portas dos grandes jornais do mundo. Para chegar a eles é preciso possuir enorme força de superação, como no caso glorioso do campeonato mundial de futebol, com os seus grandes heróis.

 

Como citar:

ATHAYDE, Austregésilo de. Vana verba: Caminho difícil. apud AGUIAR, Pedro (org.). Projeto de pesquisa História das Agências de Notícias Brasileiras e das Agências de Notícias Estrangeiras no Brasil [documento eletrônico]. Universidade Federal Fluminense. Niterói: UFF, 2025. Disponível em https://agenciasdenoticias.uff.br/2025/02/16/austregesilo-de-athayde-e-as-agencias-de-noticias-no-brasil-do-seculo-xx

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